segunda-feira, 26 de julho de 2010

texto curitibano de despedida

São 18:44 do dia 17 de julho de 2010. Sábado. À minha direita, meu marido dorme com o rosto colado ao meu quadril. À minha esquerda, através dos 30cm de persiana aberta, vejo que a frente fria não dá trégua. A temperatura lá fora deve tá em torno dos 8 graus. Aqui dentro 15, graças ao aquecedor. Eu visto uma meia 3/4 cinza, uma calça legging e outra saruel, ambas pretas, mais duas blusas, uma preta segunda pele e uma listrada vermelho/azul/branco de lã, resgatada de um brechó chamado "De outros Carnavais". Precisei convencer meu marido que era azul e não preto, porque tricolor aqui em casa não entra. No iTunes toca Premiers Simptones da banda Air, uma delícia pra escrever, desenhar e pintar. Acabamos de assistir Amelie Poulain. Não sou como alguns que competem pra ver quem assistiu mais vezes. Eu só tinha assistido uma, até agora. Assim que terminou fiquei com vontade de chorar, mas logo depois me deu vontade de escrever. De repente, faltando exatamente 28 dias pra nossa mudança pra SP, me dei conta que ainda tinha o que ser dito sobre Curitiba. É claro que o silêncio sobre esta cidade fala mais do que mil palavras, quem passar pela experiência vai entender. Porém, foi assistindo Amelie que me dei conta das coisas que sentirei muita saudade. E todas elas são simples, em geral gratuitas:
1) ANDAR: aqui eu reaprendi o prazer de fazer tudo a pé. Do supermercado, ao curso de inglês, ao vegeta, à feirinha de antiguidades, à padoca, à feira de comidinhas da Ucrânia que não tem só comidinhas da Ucrânia, à Freddo, ao Lucca Café, à lojinha que vende produtos Natura aqui do lado. Não importando o destino ou o motivo, andar por aqui me causou uma alegria quase infantil. É verde, as calçadas são largas e apesar de todas as mulheres reclamarem que as pedras irregulares destróem os saltos, eu me conformo com o argumento de que esse piso é melhor pro meio ambiente.
2) FAZER FEIRA: não estou usando o nosso hábito de chamar supermercado de feira, estou falando de feira mesmo, com sacola de feira e barracas de feira, na rua ou no mercado municipal. Uma cidade que respeita o hábito das feiras de rua merece mais respeito. Geralmente vc tá pagando a produtores não muito distantes de você e é boa a sensação de que seu dindin faz movimentar a criançada de um bairro vizinho e não o caixa de uma mega rede milionária.
3) ANDAR DE BICICLETA: em dias de sol e tédio - o primeiro bem mais raro que o segundo - a melhor coisa a fazer é pegar a bike e sair por aí. Não tem tanta ciclovia assim, mas descer nas canaletas de ônibus da Padre Anchieta com o vento forte enlinhando a cabelêra quase faz vc esquecer que cada descida pressupõe uma subida. Mas o mais legal é vc simplesmente pegar a bike e sair sem precisar fazer um mapa de fuga pra escapar dos malas espalhados por toda a cidade.
4) TER TEMPO: ou pelo menos sentir a sensação de que vc tem. Porque ninguém aqui é muito acelerado, tem gente que achou bem próximo dos nossos vizinhos baianos, mas eu acho que tem uma outra questão. Parece que todo mundo aqui trabalha melhor. Não digo mais, digo melhor. E se vc tem uma pessoa que trabalha melhor como atendente da Caixa Econômica Federal, vc tem noção de quanto tempo cada pessoa atendida por ela ganhou? E de quanto tempo aquela atendente ganhou por não precisar refazer seu trabalho mau feito trocentas vezes? Fora isso, o trânsito é mais controlado, as promoções duram mais tempo e, à exceção do sol, as coisas aqui tendem a se repetir. Então, pra quê a pressa?
6) FICAR EM SILÊNCIO: essa foi a parte mais difícil. O silêncio aqui é marcante. Foi a primeira coisa que me chamou atenção na cidade. Ausência de buzinas no trânsito, de gritos por causa de um assalto no centro da cidade, de gente falando por cima umas das outras pra se fazer ouvir. Ausência de caos. Ausência de som alto nas casas. Ausência de festa. Ausência de barulho bom. Ausência de amigos. E nesse ponto do silêncio dá uma agonia. Vc consegue ouvir tudo melhor. Os diálogos alheios, as engrenagens do carro, o seu estômago, o seu joelho e os seus fantasmas. E ouvir melhor, uma hora ou outra, vai te fazer dizer coisas mais interessantes. Daí também vai fazer falta.

Que bom que a lista não é grande. Dá energia pra mais uma mudança ;-)

3 comentários:

  1. carlotita, andar e andar de bike eu tb adorava em ny e me fizeram perceber o quanto a gente perdeu desses prazeres em recife. feirinha aqui até que tem, vc não sabe se chega em casa com todas as sacolas, mas tem. tempo e silêncio sobrando eu compro ;) bjo e boa sorte em sampa, quem sabe lá eu não cosigo te visitar.
    fravinha

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  2. ô fravinha, gosto tanto quando tu me lê =) beijo gigante!

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  3. adoooooro suas histórias. tô fazendo outro blog. depois te mando. bjo.
    fravinha

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