terça-feira, 10 de agosto de 2010

caminhão de mudança


caixa da cozinha: aqui vão as novas receitas que aprendi, entre elas o arroz de carneiro, o feijão caseiro com paio e charque e o lombo suíno com farofa rica. vai também a lição de que você deve comer carne no frio. não podemos esquecer das noites de vinho e queijo e das cachaças que regavam todos os preparos. podemos deixar a tendência ao alcoolismo para o próximo inquilino, ele pode precisar;


caixa da sala: televisão, dvd, almofadas, tapete mineiro não comprado em minas e luz natural. podemos deixar a cadeira desconfortável do computador, as paredes geladas e a mesinha de jantar com suas cadeiras de metal de colar o popô de manhã. podemos e devemos esquecer o varal da varanda, gesto que não pretendo repetir em lugares onde as roupas sequem em menos de 15 dias. o sofá-cama branquíssimo de Dona Jandira vai fazer falta e vou levar a frustração de não ter pintado suas paredes também branquíssimas, quem sabe eu resolvo isso no próximo apê;


caixa do banheiro: vamos levar a prática da boa leitura, os cremes que comecei a usar depois dos 30, a cortina de bolinhas, os banhos quentes e o espelho que emagrece. ficam o piso gelado, a pia que começa a jorrar no meio da noite, o acento da privada gelado, a água que demora a esquentar e aqui vale confessar 9 meses de crime ambiental desperdiçando água, o piso gelado eu já falei, fica também a maçaneta gelada, as toalhas eternamente úmidas e mais uma vez o piso gelado. fica isso tudo!


caixa do quarto: nossas adoráveis mesasdecabeceiradadécadade50compéspalito devem ser cuidadosamente transportadas, adesivo de frágeis nelas, por favor! não podemos esquecer do silêncio, do escuro, do piso de madeira e do aquecedor. não podemos deixar de levar o quase fim da insônia de Sergio. devo esquecer o meu excesso de sono, a prática da hibernação também pode ficar para o próximo inquilino. numa caixa à parte, escrever CONTEÚDO FRÁGIL EXCLUSIVO INSUBSTITUÍVEL QUEM PERDER MORRE devemos pôr amor, sexo, sonhos, planos, chorinhos e muito dengo. no saco de lixo podemos dispensar os pesadelos, medos, prantos e o excesso de saudade. saudade demais atrapalha e não cabe em nenhum caminhão de mudança;

os itens de maior importância estão devidamente segurados. caso esqueçamos de algo, melhor esquecer mesmo porque duvido que o próximo inquilino nos faça o favor de guardar. o transporte deverá ser feito com entusiasmo, otimismo e coragem. a entrega está prevista para 15 dias, em caso de atraso, tudo bem, sinal de que já estamos enfrentando o trânsito de São Paulo.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

diálogo pernambucano

agência - então carla, a gente tá precisando de uma diretora de arte com urgência, pra trabalhar por 2 meses, full time, aqui em Recife, me falaram de você, tô ligando pra gente conversar, gostei da sua pasta, acho que você tem o perfil, você é o cara, só achei estranho que teu número não era de Recife, onde você tá agora?

eu - curitiba

agência - ...

eu - alô?

agência - então tá, qualquer coisa minha secretária entra em contato com você, tchau.

roxo



há tempos que eu digo que a cor de curitiba é roxo daí. quando vou numa loja intuitivamente sou atraída pelas peças roxas. tenho tomado mais vinho tinto. o céu daqui de vez em quando fica roxo. o humor, nem se fala daí. sempre pinto as unhas de roxo. minhas hawaianas são roxas, minha necessaire é roxa, meu edredon é roxo. e daí pra combinar com tudo isso, meu dedão ficou roxo. passei duas noites em claro com os dedos do pé coçando insuportavelmente. daí pensei, carai, fudeu, daí, frieira no inverno é foda. o podólogo olhou, olhou, daí nem tocou, mandou eu procurar um dermatologista. a dermatologista tocou, tocou, daí doeu pra caralho e disse que precisava arrancar um pedaço. isso mesmo. tiraram um talho profundo do meu dedão para análise! daí dor roxa quase preta daí! o diagnóstico ainda não saiu. suspeita: alergia ao frio! que beleza hein? existe um tipo de alguma coisa que se passa na circulação da pessoa sujeita às baixas temperaturas que trava o trânsito dos vasos sanguíneos. maravilha daí! eu já decidi mudar pra são paulo há meses e curitiba insiste em me encher de motivos....

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

padrão curitibano

diálogo curitibano número 274

taxista: você é da onde?
eu: recife
taxista: e tá aqui há quanto tempo?
eu: olhe eu não me acostumei com o clima, o povo é muito frio, a cidade é muito limpa, seu GPS é incrível e nem importa saber o que é que eu vim fazer aqui porque eu já tô de mudança, obrigada.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

texto curitibano de despedida

São 18:44 do dia 17 de julho de 2010. Sábado. À minha direita, meu marido dorme com o rosto colado ao meu quadril. À minha esquerda, através dos 30cm de persiana aberta, vejo que a frente fria não dá trégua. A temperatura lá fora deve tá em torno dos 8 graus. Aqui dentro 15, graças ao aquecedor. Eu visto uma meia 3/4 cinza, uma calça legging e outra saruel, ambas pretas, mais duas blusas, uma preta segunda pele e uma listrada vermelho/azul/branco de lã, resgatada de um brechó chamado "De outros Carnavais". Precisei convencer meu marido que era azul e não preto, porque tricolor aqui em casa não entra. No iTunes toca Premiers Simptones da banda Air, uma delícia pra escrever, desenhar e pintar. Acabamos de assistir Amelie Poulain. Não sou como alguns que competem pra ver quem assistiu mais vezes. Eu só tinha assistido uma, até agora. Assim que terminou fiquei com vontade de chorar, mas logo depois me deu vontade de escrever. De repente, faltando exatamente 28 dias pra nossa mudança pra SP, me dei conta que ainda tinha o que ser dito sobre Curitiba. É claro que o silêncio sobre esta cidade fala mais do que mil palavras, quem passar pela experiência vai entender. Porém, foi assistindo Amelie que me dei conta das coisas que sentirei muita saudade. E todas elas são simples, em geral gratuitas:
1) ANDAR: aqui eu reaprendi o prazer de fazer tudo a pé. Do supermercado, ao curso de inglês, ao vegeta, à feirinha de antiguidades, à padoca, à feira de comidinhas da Ucrânia que não tem só comidinhas da Ucrânia, à Freddo, ao Lucca Café, à lojinha que vende produtos Natura aqui do lado. Não importando o destino ou o motivo, andar por aqui me causou uma alegria quase infantil. É verde, as calçadas são largas e apesar de todas as mulheres reclamarem que as pedras irregulares destróem os saltos, eu me conformo com o argumento de que esse piso é melhor pro meio ambiente.
2) FAZER FEIRA: não estou usando o nosso hábito de chamar supermercado de feira, estou falando de feira mesmo, com sacola de feira e barracas de feira, na rua ou no mercado municipal. Uma cidade que respeita o hábito das feiras de rua merece mais respeito. Geralmente vc tá pagando a produtores não muito distantes de você e é boa a sensação de que seu dindin faz movimentar a criançada de um bairro vizinho e não o caixa de uma mega rede milionária.
3) ANDAR DE BICICLETA: em dias de sol e tédio - o primeiro bem mais raro que o segundo - a melhor coisa a fazer é pegar a bike e sair por aí. Não tem tanta ciclovia assim, mas descer nas canaletas de ônibus da Padre Anchieta com o vento forte enlinhando a cabelêra quase faz vc esquecer que cada descida pressupõe uma subida. Mas o mais legal é vc simplesmente pegar a bike e sair sem precisar fazer um mapa de fuga pra escapar dos malas espalhados por toda a cidade.
4) TER TEMPO: ou pelo menos sentir a sensação de que vc tem. Porque ninguém aqui é muito acelerado, tem gente que achou bem próximo dos nossos vizinhos baianos, mas eu acho que tem uma outra questão. Parece que todo mundo aqui trabalha melhor. Não digo mais, digo melhor. E se vc tem uma pessoa que trabalha melhor como atendente da Caixa Econômica Federal, vc tem noção de quanto tempo cada pessoa atendida por ela ganhou? E de quanto tempo aquela atendente ganhou por não precisar refazer seu trabalho mau feito trocentas vezes? Fora isso, o trânsito é mais controlado, as promoções duram mais tempo e, à exceção do sol, as coisas aqui tendem a se repetir. Então, pra quê a pressa?
6) FICAR EM SILÊNCIO: essa foi a parte mais difícil. O silêncio aqui é marcante. Foi a primeira coisa que me chamou atenção na cidade. Ausência de buzinas no trânsito, de gritos por causa de um assalto no centro da cidade, de gente falando por cima umas das outras pra se fazer ouvir. Ausência de caos. Ausência de som alto nas casas. Ausência de festa. Ausência de barulho bom. Ausência de amigos. E nesse ponto do silêncio dá uma agonia. Vc consegue ouvir tudo melhor. Os diálogos alheios, as engrenagens do carro, o seu estômago, o seu joelho e os seus fantasmas. E ouvir melhor, uma hora ou outra, vai te fazer dizer coisas mais interessantes. Daí também vai fazer falta.

Que bom que a lista não é grande. Dá energia pra mais uma mudança ;-)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Ao meu querido ácaro

Depois de torrar no teto do busão turístico, fazer picnic nos parques, comer kilos de carne, pedalar a cidade inteira de bike e tomar litros e litros e litros de vinho, eis que fiz um novo e inédito roteiro em Curitiba. Busquei vários links fashionistas e matérias no jornal, tracei o perfil do que eu queria, joguei os endereços no google maps e pronto daí: roteiro de brechós. Lembrei de um que tinha lá em Foxtaleza, que se chamava "Meu Querido Ácaro", daí o nome do post não poder ser outro daí. Briefing do roteiro: encontrar roupas pro inverno infernal ao qual eu provavelmente não sobreviverei como todos aqui insistem em repetir, sem desembolsar todas as economias e com soluções interessantes e talvez reversíveis para os climas legais do resto do mundo. Enfim, peguei meu carro (de bike seria massa, mas eu previa um surto sacolístico), peguei Carol (minha querida amiga antropóloga que obviamente me daria motivos muito mais convincentes do que "ficou tudooo" na hora de comprar peças raríssimas) e esqueci de pegar meu anti-alérgico. Zizoguei! Logo na primeira parada percebi que não daria pra visitar todos os 6 que estavam no roteiro porque o troço era muito maior do que eu imaginava. Os vendedores/idealizadores do lugar (Fuchique) eram bem bacanas e logo depois das frases triviais de boas vindas "nossa, vc é da onde?! veio fazer o quê aqui?? ahhh, vc não vai aguentar o inverno..." nos deram uma super atenção e alguns achados. Saldo: calça de veludo, casaquinho de lã, blusa de linha e 1 espirro a cada 10 minutos. Segundo destino: Flor de Vedete. Dona e culpada pelo lugar: a Tiça. O lugar: uma garagem lindamente abarrotada de cores, texturas e ácaros. Enquanto um olho enlouquecia na arara de brechó, o outro flertava com a arara de peças novas e uma mão acariciava a mala de lenços. Daí não demorou pra minha pulsação se alterar, a vista ficar turva e a última imagem que me ficou na memória foi da Tiça correndo com uma caixinha de máscaras para proteger meu nariz. Minutos depois eu já estava irremediavelmente envolvida, enlaçada e amarrada num casaco de pêlos que, não obstante ser um escândalo, ainda me levava de volta à infantil e inesquecivel presença do meu ursinho Peposo (que tinha a Peposa? e o Peposinho? alguém se lembra disso?). Saldo: 4 peças de brechó, 1 peça "nunca antes na história desse país", 3 lenços bem puídos e 10 espirros a cada 1 minuto. Se eu comprei o casaco de pêlos? Ah não, a Carol fez uma rápida análise de tendência comprovando o desuso dos tecidos felpudos e me deu um anti-alérgico pra me acalmar. Carol, frô, se não fosse tu...